sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

EM QUE CONSISTE O REINO DE DEUS?

 


Robinson L Araujo[1]

 

De fato, faz-se necessário pensarmos e termos a convicção sobre em que consiste o Reino de DEUS. A primeira afirmativa é que o Reino de DEUS não consiste em palavras, mas em Poder, fonte de transformação e informação. É a essência do poder transformador do Evangelho, que ora, fora vertido ao olharmos e vermos que a cruz se encontra vazia.

Outra afirmativa que não se pode fugir, é que esse Poder que transcende todo o entendimento humano, é poderoso o suficiente para transformar. Tanto é que o Apóstolo Paulo escreve em Hebreus 4:12-13:

12. Tudo o que DEUS diz é sério. O que Ele diz, acontece. Sua poderosa Palavra é aguda como o bisturi e capaz de cortar tudo, seja dúvida, seja desculpa, mantendo-nos abertos para ouvir e obedecer. 13. Nada - nem ninguém - está fora do alcance da Palavra de DEUS. Não se pode fugir dela - não há como. (A Mensagem).

Em outras versões é uma poderosa espada de dois gumes ou, afiada dos dois lados da sua lâmina, com poder de penetrar entre alma e espírito, entre juntas e medulas, separando aquilo que a minha alma deseja, dando lugar ao que importa para o meu espírito! Isso porque, a vida espiritual é simplesmente a vida vivida com a visão da fé. E viver em fé, é estar alicerçado em Hebreus 11:1, que define: "O fato essencial da existência é que esta confiança em DEUS, esta fé é o alicerce sólido que sustenta qualquer coisa que faça a vida digna de ser vivida. É pela fé que lidamos com o que não podemos ver". (A Mensagem).

Assim, o exercício de fé que leva-nos a dimensão de separar os desejos do coração (alma) com a vontade dado pelo Poder da Palavra (espiritual), concede-nos uma certeza: "Há uma única espiritualidade na igreja do Senhor Jesus: a espiritualidade pascal. Essencialmente, é nossa morte diária para o pecado, o egoísmo, a desonestidade e o amor degradado a fim de nos alçarmos à novidade de vida". (Manning, 2014).

É a afirmação de Paulo: "Não sou mais eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (Gálatas 2:20). Cada vez que desfechamos um golpe mortal no ego, cada vez que escolhemos caminhar aquela milha adicional, por oferecer a outra face, abraçar em vez de rejeitar, somos compassivos em vez de competitivos, beijamos em vez de morder, perdoamos e nos abstemos de massagear a contusão mais recente de nosso ego ferido, estamos passando da morte para a vida.

Sendo assim, Paulo nos conclama para uma mudança de atitude, oferecida somente pelo Poder que foi e é vertido da cruz, levando-nos a conversão, ou seja, a uma metanoia, significando uma transformação radical do nosso "eu". Para isso, MANNING (2014. P.101) diz:

Descobrimos que um relacionamento pessoal com Jesus Cristo não pode mais ser contido num código de permissões e proibições. Ele se toma como escreveu Jeremias, uma aliança escrita nas tábuas de carne do coração e gravada no mais profundo de nosso ser. A conversão nos abre para uma nova agenda, novas prioridades, uma diferente hierarquia de valores. Ela nos faz migrar de professar Jesus como Salvador a confessá-lo como Senhor, de uma descuidada acomodação de fé em nossa cultura a uma fé vivida na verdade consumidora do Evangelho.

Muitas vezes, queremos transformar as pessoas pela intimidação das regras que uma determinada "doutrina" empoe na vida das pessoas, querendo igualar o Poder do Evangelho em regras e costumes, em "achismos" totalmente desprovidos do amor de DEUS.

A isso, HEAGLE (1981. P. 34) instrui:

O oposto de conversão é aversão. O outro lado da metanoia é paranóia. A paranóia é geralmente compreendida no sentido psicológico. É caracterizada por medo, suspeita e fuga da realidade. A paranóia resulta comumente em elaboradas alucinações e auto-ilusão. No contexto bíblico, a paranóia implica mais do que desequilíbrio emocional ou mental. Ela se refere a uma atitude de ser, uma postura do coração. A paranóia espiritual é uma fuga de DEUS e de nosso verdadeiro eu. É uma tentativa de escapar da responsabilidade pessoal. É a tendência de evitar a o custo do discipulado e buscar uma rota de fuga das exigências do Evangelho. A paranóia de espírito é uma tentativa de negar a realidade de Jesus de tal modo que racionalizamos nosso comportamento e escolhemos o próprio caminho.

A paranóia acaba por nos levar a viver um evangelho da graça de péssima qualidade, tão barato que seu significado perde valor. Acaba por diluir a fé em uma mistura morna da Bíblia, uma espiritualidade que não nos leva ao verdadeiro discipulado em se ter a mente de Cristo, adquirido por Sua morte e ressurreição, trazendo vida e vida abundante (João 10:10).

Quando o Poder, que constitui o Reino de DEUS provoca uma metanoia em nossa mente pelo ato salvístico de Cristo morto e ressurreto, passa-se a vivenciar algumas características da espiritualidade vertida naquela cruz, apontadas por Brennan, sendo elas:

 

·      A espiritualidade vertida pelo Poder do Evangelho é Cristocêntrica, ou seja, é por meio de Cristo, por Cristo e em Cristo

Nada que sobreponha Cristo deverá assumir a primazia em nossa vida. Muitos acabam por dar demasiado destaque aos próprios dons espirituais, deixando-se em segundo plano o mistério da morte e da ressurreição.

 A pergunta feita por três vezes a Pedro foi: Você me ama? Sendo ainda, o critério pelo qual Cristo avalia Seus amigos e os que O rejeitam continua a ser: "Você me ama?". Para João, em sua carta, na comunidade cristã a dignidade não se constitui apostolado ou cargo, nem títulos, dons de profecia ou curas, nem pregação inspirada, mas somente intimidade com Jesus. Esse é o status de que todos os cristãos deveriam desfrutar em sua totalidade.

Raymond E. Brow[2], afirmou em seu livro: As Igrejas dos Apóstolos:

Todos os cristãos são discípulos, e entre eles a grandeza é determinada por um relacionamento amoroso com Jesus, não por função ou cargo Cargos eclesiásticos e até mesmo o apostolado são de menor importância quando comparados ao discipulado, que é literalmente questão de vida ou morte. Dentro desse discipulado não há cristãos de segunda classe.

O que se precisa ter em mente é que, se a nossa jornada cristã não produzir Cristo em nós, se a passagem dos anos não formar Jesus em nós de tal maneira que nos tronemos semelhantes a Ele, nossa espiritualidade está falida. Apenas o amor de Jesus Cristo concede status na comunidade cristã.

Brennan (2014) leva-nos a pensar que fomos chamados a sermos uma manifestação única e singular da verdade e do amor de Cristo, não uma cópia em papel-carbono de outra pessoa.

 

·         A espiritualidade vertida pelo Poder do Evangelho tira-nos do egocentrismo e nos projeta ao corpo, comunidade do povo de DEUS

A espiritualidade pascal afirma que o teste mais verdadeiro do discipulado é o modo que vivemos uns com s outros na comunidade da fé. E simples e exigente assim. Em nossas palavras e nossos atos damos formato e forma a nossa fé a cada dia. Fazemos as pessoas um pouquinho melhores ou as deixamos ainda piores. Afirmamos ou desprovemos, ampliamos ou diminuímos a vida dos outros. I João 4:19-21, afirma-nos:

19. Nós amamos porque ele nos amou primeiro. 20. Se alguém afirma: “Amo a Deus”, mas odeia seu irmão, é mentiroso, pois se não amamos nosso irmão, a quem vemos, como amaremos a Deus, a quem não vemos? 21. Ele nos deu este mandamento: quem ama a Deus, ame também seus irmãos.

A vida cristã deve ser vivida em comunidade, não de forma individualizada, como que a salvação caberia somente a mim. É a vida em comunidade que demonstra uma imitação radical da Santa Trindade, que significa: Diálogo, amor espontâneo e relacionamento.

Ainda para Manning (2014), de acordo com o critério evangélico de santidade, a pessoa mais próxima do coração de Jesus não é a que ora mais, a que mais estuda a Escritura ou a que tem confiada a si a posição de maior responsabilidade espiritual. É quem mais ama, e essa não é opinião minha. É a Palavra que nos julgará.

 

 

·         A espiritualidade vertida pelo Poder do Evangelho considera a natureza humana como decaída, mas redimida

Gênesis 1:31, afirma: " Então Deus olhou para tudo que havia feito e viu que era muito bom. A noite passou e veio a manhã, encerrando o sexto dia". Diferentemente de tudo que criara, no final do dia, DEUS olhava e dizia: "e viu DEUS que era bom". Mas, diferentemente, após formar o homem, a postura declaratória de DEUS mudou, Ele afirmou: "Viu que era muito bom".

Fomos criados pela essência do Pai, sem pecado, pelo soprar de Seu fôlego a qual nos fez alma vivente e nos tornamos "caídos" pela desobediência de nossos pais, tornando-nos pessoas carentes de Sua misericórdia.

A espiritualidade transbordante pelo Poder radiante da cruz, recupera o elemento de deleite na criação. Imagine o êxtase, o brado de alegria quando DEUS fez uma pessoa em sua própria imagem! Quando Deus fez você! O Pai deu você como presente a si mesmo. Você é uma resposta ao vasto deleite de DEUS. Dentre um infinito número de possibilidades, DEUS investiu em você e em mim com a existência.  

 

·         A espiritualidade vertida pelo Poder do Evangelho é selada pelo sofrimento de Cristo na cruz

Brennan (2014) nos afirma que Não há cristianismo genuíno no qual o signo da cruz está ausente. Graça barata é graça sem a cruz, um assentimento intelectual à empoeirada casa de penhores de crenças doutrinárias ao mesmo tempo que se é levado sem direção pelos valores culturais da cidade secular. O discipulado sem sacrifício gera um cristianismo confortável praticamente indistinguível, em sua mediocridade, do resto do mundo. A cruz é tanto o teste quanto o destino de um seguidor de Jesus.

A pregação morna e a adoração sem vida têm espalhado tantas cinzas sobre o fogo do evangelho que mal sentimos seu ardor. Tornamo-nos tão habituados ao último fato cristão — Jesus nu, exposto, crucificado e ressurreto — que não mais o vemos pelo que é: um chamado a nos despirmos de preocupações terrenas e sabedoria mundana, de todo o desejo por louvor humano, da cobiça por qualquer espécie de conforto (incluindo consolações espirituais). E uma convocação à prontidão para nos levantarmos e sermos contados como pacificadores num mundo violento. É um chamado para abrirmos mão da fantasia de que não somos de fato mundanos (o ripo de mundanismo que prefere a tarefa mais atraente à menos, e leva-nos a investir mais em gente que queremos impressionar). Mesmo o último trapo ao qual nos apegamos — a autobajulação que sugere que estamos sendo humildes quando recusamos admitir qualquer semelhança com Jesus Cristo —, até mesmo esse trapo deve cair quando ficamos face a face com o Filho de Deus crucificado.

A espiritualidade transmitida pela cruz nada mais é do que o cativeiro a Cristo apenas, uma completa ligação a sua pessoa, um compartilhar do ritmo de sua morte e ressurreição, uma participação em sua vida de tristeza, rejeição, solidão e sofrimento.

 

·         A espiritualidade vertida pelo Poder do Evangelho transmite alegria e paz

Os cristãos são chamados para crer em um DEUS que ama e em Seu Cristo ressurreto. É preciso crer e crer veemente. Crer e crer alegremente. O teólogo Robert Hotchkins menciona que os cristãos devem comemorar constantemente, quando afirma:

Devemos estar preocupados com festas, banquetes, folias e festejo. Devemos entregar-nos a verdadeiras orgias de júbilo por causa de nossa crença na ressurreição. Devemos atrair as pessoas para nossa fé literalmente pelo quanto é divertido ser cristão. Infelizmente, no entanto, logo também nos tornamos sombrios, austeros e pomposos. Somos o oposto de nossa própria tradição, porque tememos perder tempo ou ficar amarrados. Nas palavras de Teresa de Ávila: "de tolas devoções e santos de cara amarrada, livrai-nos, Senhor!".

Essa é a fonte da alegria, do contentamento e do riso cristão: "Ele não está aqui, já ressuscitou" (Mateus 28:6-8). A vitória de Jesus Cristo no Calvário apresenta-nos apenas duas alternativas lógicas: ou você crê na ressurreição e, por conseguinte, crê em Jesus de Nazaré e no evangelho que ele pregou, ou crê na não-ressurreição e não crê em Jesus de Nazaré e no evangelho que ele pregou.

·         A espiritualidade vertida pelo Poder do Evangelho vê as pessoas como seres livres, libertas

João 8:32 nos afirma: "Então conhecerão a verdade, e a verdade os libertará”. O poder que é vertido da cruz irradia sobre nossa vida e nos torna livres. Ainda Gálatas 5:1, nos fala: "Portanto, permaneçam firmes nessa liberdade, pois Cristo verdadeiramente nos libertou. Não se submetam novamente à escravidão da lei".

Muitas vezes, a igreja "institucional" ou, como gosto de afirmar: "a igreja CNPJ", é desleal quando a si quando desrespeita a liberdade dada por Cristo na cruz, Somos Livres, Libertos, Sarados, Curados...

DEUS nos criou a Sua imagem com a vontade para que trabalhássemos com responsabilidade e liberdade. Porém, quando a virtude da obediência se reduz a uma forma de dominação e submissão, produzimos covardes treinados em vez de pessoas cristãs.

Não quero contrapor ao registro de Hebreus 13:17, que afirma: "Obedeçam a seus líderes e façam o que disserem. O trabalho deles é cuidar de sua alma, e disso prestarão contas. Deem-lhes motivo para trabalhar com alegria, e não com tristeza, pois isso certamente não beneficiaria vocês". Isso não diz respeito a obediência cega, fora da realidade do contexto cristão.

Se de fato conhecêssemos o Deus de Jesus, pararíamos de tentar controlar e manipular os outros "para seu bem", sabendo perfeitamente que não é assim que Deus trabalha entre seu povo. Paulo escreve: "Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (II Coríntios 3:17).

 

Realmente o reino de DEUS consiste em Poder, apoderado pela Sua Palavra, que transforma a mente e coração, proporcionando uma mudança radical na forma de pensar e agir. Uma transformação não de aparência e sim, que urge de dentro para fora, separando alma e espírito, juntas e medulas, para uma caminhada em Vida Plena.

 

 REFERÊNCIAS

Bíblia Nova Versão Transformadora. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/nvt>. Acessado em: 11 dez. 2020.

HEAGLE, John. On the Way. Chicago: Thomas More Press, 1981. P. 34.

MANNING, Brennan. A assinatura de Jesus: o chamado a uma vida marcada por paixão santa e fé inabalável. Traduzido por Maria Emília de Oliveira. 1 ed. São Paulo: Editora Vida, 2014.

PETERSON, Heugene H. Bíblia A MENSAGEM em Linguagem Contemporânea. São Paulo: Editora Vida, 2011.

 



[1] Pastor - discípulo de Cristo - e-mail: robinson.luis@bol.com.br - Redes sociais: @prrobinsonlaraujo - 27/11/20.

[2]  Foi um padre católico americano, membro dos Padres Sulpicianos e um proeminente estudioso bíblico

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